Toda Prosa & Versos
Escrever livremente é experimentar um momento de doçura que a gente em silêncio transforma em palavras. Momento profundamente singular e magicamente passível de concretude - expresso e desvendado - da nossa poesia oculta.
domingo, 13 de abril de 2025
O Tempo
quinta-feira, 12 de dezembro de 2024
Sejamos felizes porque loucos, nós já somos.
A vida, esse espetáculo sem roteiro fixo, exige de nós uma certa dose de insanidade para sobreviver. É preciso ser muito louco para acordar todos os dias e enfrentar o mundo, onde, em pleno século 21, homens fazem guerras entre si, mulheres e crianças morrem na guerra ou de fome, onde ainda existem homens em condições degradantes de trabalho, onde jovens não horam pai e mãe, e a maldade quase sempre prevalece sobre a bondade. No caos cotidiano a loucura tornou-se a nossa mais fiel companheira. E tão loucos somos, que seguimos acreditando, desejando, tentando – apesar de tudo. Lembrei-me, agora, do que disse a escritora Clarice Lispector em um de seus livros: “Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive é o próprio ‘apesar de’ nos empurra para a frente”. E nessa loucura, descobrimos que somos loucos porque ainda amamos, mesmo com o coração marcado por tantas partidas. Loucos porque sonhamos, mesmo com o peso das decepções nas costas e mais: que a felicidade não é um destino, é um instante fugaz, mas nosso. Sejamos felizes então, mesmo que a felicidade venha em dozes pequenas como o riso compartilhado com quem entende nossa loucura sem julgamentos. Sejamos felizes nas imperfeições, nas pausas, nos tropeços. Sejamos felizes porque estamos vivos, e isso, por si só já é um ato de coragem em um mundo que nos quer conformados. E que cada gargalhada seja uma forma de resistência, cada abraço um refúgio, cada suspiro um lembrete que, mesmo sendo loucos, ainda podemos ser felizes. E se a vida é uma peça improvisada, que sejamos protagonistas das nossas próprias histórias, mesmo quando tudo parece ruir a nossa volta. Porque, no fundo, o equilíbrio perfeito é só uma ilusão, e o que nos mantém em pé, é essa dança descompassada entre o sonho e a realidade, buscando entre a loucura e a poesia, o brilho que nos faz vivos.
Maria Lúcia de Almeida
Natal / 2024
quarta-feira, 27 de novembro de 2024
Fim de ano ou fim de mundo?
segunda-feira, 1 de abril de 2024
Nas marcas do tempo
Perto de completar 70 anos, e dentro da quietude de meu quarto, deixo que as lembranças me envolvam em um manto nostálgico e acariciem minha alma com as asas da juventude. Quanta saudade da leveza de meus passos, da inocência no olhar, da coragem desmedida a seguir em frente, a caminhar sem destino, e da liberdade de poder partir a qualquer momento, livre das amarras do tempo. Que as lembranças da minha juventude possam me abraçar mais uma vez, conduzindo-me por caminhos de sonho e liberdade. E que os ventos da aventura voltem a sussurrar em meus ouvidos, instigando-me a descobrir segredos ocultos em cada esquina, a sentir a pulsação da vida em cada cidade, em cada paisagem. Voltar a ver o mundo como uma vasta terra de possibilidades e sentir como se cada estrada, cada trilha chamasse por mim, convidando-me a mergulhar de cabeça em uma jornada sem fim. Fechar os olhos e ouvir novamente o som das ondas que quebram na praia, enquanto meus pés tocam suavemente a areia morna, ou andar nas ruas estreitas das cidades antigas onde cada pedra parece contar uma história. Mas não quero e nem vou fazer dessas lembranças um lamento do passado. Ao contrário, quero sim, através delas, poder voltar mundo a fora, desbravar horizontes e continuar colecionando memórias que alimentarão minha alma até o fim dos meus tempos. E, principalmente, ter a certeza que cada momento, por mais efêmero e fugaz, é como um lembrete da preciosidade que é existir, amar, perder e, acima de tudo, viver. E, assim, no embalo de minhas lembranças e diante da efêmera centelha da vida, sou chamada mais uma vez a dançar na chuva, a amar com toda força de meu coração, a deixar minha marca na areia do tempo, sabendo que, como o dia se despede no horizonte, tudo é temporário. E nessa temporariedade, nessa finitude, encontrar a verdadeira essência do que significa ser infinitamente vivo. Que assim seja, que assim eu deseje, que assim eu possa sempre ser.
segunda-feira, 21 de agosto de 2023
BLADE RUNNER
segunda-feira, 3 de abril de 2023
"Escrevo para libertar palavras e faço isso antes do pôr do Sol."
Quando estou triste, gosto de contemplar o pôr do sol; e a cada espetáculo desse que contemplo, inspira-me o desejo de partir para um oeste tão distante quanto aquele onde o sol sumiu. De acordo com Rubem Alves, somos seres crepusculares a espera do pôr do sol de nossas vidas, é verdade, pois sendo a tarde a velhice do dia, quando o sol se põe no horizonte, uma pequena morte ali sempre acontece. Ah, e como é belo o pôr do sol visto pelo olhar do poeta ao enfatizar a finitude da vida e dos afetos. E eu, que bem sei o que é ser flor nas asas de uma ventania, alargo meu horizonte para que o sol possa se pôr 'redondinho', sem precárias valentias, sem mais expectativas ou sofrimento. E com os olhos fitos no poente, deixo a paz falar manso no silêncio de meu coração. Percebo o quão fúteis foram meus dias repletos de esperança para um final feliz, daqueles de cinema, sabe, em que no final 'tudo se ajeita'. Agora percebo que a sabedoria que vem do natural é muito mais doce, é a sabedoria da maturidade a me dizer: "tudo é porque tem que ser, tudo um dia se acaba porque precisa acabar, ou quem sabe, porque esteja perto o momento do nosso 'pôr do sol'. O pensamento voa nos traços da memória e pergunto ao silêncio o que ainda tem a me dizer que precisa ser compreendido, e ele me faz lembrar das nossas perdas constantes, daquelas não só dos entes queridos, mas perdas em geral, de espaço, de tempo, de planos e de certezas que se vão, naturalmente, findando com o tempo e que também fazem parte da nossa jornada de vida. E daquelas perdas tão necessárias para nossa integridade moral que são as relacionadas ao medo: das injustiças, das mesquinharias, das covardes ameaças de abandono e da solidão. Isso porque a gente aprende a reconhecer a força que temos e, principalmente, a força que vem da bondade divina, que nos dá coragem e nos mantêm em pé todos os dias. E sendo a verdade a filha do tempo, tudo que ainda lhe peço, senhor tempo, antes de meu pôr do sol, é que eu saiba cuidar muito bem de mim mesma, com leveza, dignidade e aceitação. E, principalmente, que eu saiba tirar de mim a perigosa ânsia de que ' tudo tem que ser feliz até o final'.
Maria Lúcia de Almeida