quinta-feira, 30 de julho de 2009

Cotidiano

Vão-se os homens
Gritos presos nas calçadas
Sempre quietos
Sempre mortos
Tão tristonhos.
Vai-se a vida!
- Vivam em vão almas caladas -
Sem ao menos expressar
Seus belos sonhos.

Maria Lucia de Almeida

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Breve Despedida


Parto agora para longe
Parto para viver
Pois muito não sei o que é viver
Mas volto um dia
Sim, vou voltar
E quando esse dia chegar
Deixa eu ser
Qualquer coisa para você
Assim como uma lua brilhante
Ou até quem sabe
O brilho mais lindo de seu olhar

Maria Lucia de Almeida

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Palavras como Rosas


Esperava palavras espumosas
palavras aderentes, diferentes palavras
que ficassem, não partissem.
Palavras foram rosas
breves perfumosas.
Mas fizeram um estardalhaço!
Uma explosão: cobriram espaços!

Eloisa Helena

domingo, 19 de julho de 2009

Da crítica ao elogio


Nuvens carregadas, vento frio, sinal de muita chuva...
Pela janela do meu quarto observo o quão cinza é a cor da tarde de domingo.
Numa tarde assim o espírito torna-se receptivo a tudo e, um pouco mais, aos tristes sentimentos de mágoa.
Por que será que há sempre alguém magoando alguém? Por que se tornou tão fácil apontar defeitos, discriminar afetos, criar ressentimentos?
Nunca tantas pessoas têm evitado a ansiedade e a angustia, inerentes ao autoconhecimento, preferindo mudar as regras do jogo. Ao invés do elogio que humaniza e dá sentido à vida, preferem a crítica ou, ainda pior, o deboche.
Para que serve a crítica? Basicamente, para que não se corra o risco de sentir-se de forma diferente. Tão somente espelho a refletir, pois a vaidade, a arrogância e a soberba nascem precisamente da falta de amor por si mesmo e esconde uma ferida narcísica de impotência e humilhação. Exaltar o mortal veneno e dizer que busca a verdade jamais será solução de sobrevivência. Entretanto, seguir o caminho inverso ao da crítica é uma maneira de fortificar a solidariedade, incentivando o melhor que existe em cada ser humano. Dar um elogio é uma forma de afago e carinho, tem como objetivo sentirmos queridos e amados, e não implica em dívida nem tão pouco em crédito. Ir da crítica ao elogio é ousar a possibilidade do amor. Em realidade, necessitamos de humildade para adquirirmos o verdadeiro orgulho de sermos quem somos. Fazer brotar a centelha divina que dá ânimo para seguir adiante, enfrentar as durezas da vida e, quem sabe, até arriscar um simples bater de asa no céu, uma cantiga de ave, um atrevimento de vôo...
De súbito, a chuva cai forte acordando-me do devaneio, do balançar entre a inquietação e a paz que só existe nos corações sensíveis. Da lembrança surgem as brigas do tempo de criança quando uma dizia a outra: ‘o que vem de baixo não me atinge’ e em seguida: ‘ah, então senta em cima de um formigueiro’.Duas frases ingênuas, mas que têm um certo um fundamento. Já pensando em fugir de alguns ‘formigueiros’, busco pelo poder miraculoso de transformação do elogio nas palavras adequadas que os mestres sussurram aos meus ouvidos. A eles credito os meus acertos. E de volta à tarde de vento e chuva, busco pelo aconchego, na certeza de que em breve, quando menos esperar, um novo raio de sol vai despontar.

Maria Lúcia de Almeida

domingo, 5 de julho de 2009

Ultimo Adeus




Ninguém soube jamais se foi por saudade ou apenas solidão que fez com que ela voltasse àquela casa. O fato é que depois da separação, o inquieto coração começou a vacilar entre recordações de felicidade e tristeza. E foi pelos mandos do coração que, ao invés de seguir caminho reto, parou diante da casa vazia. Queria ver de perto como é que se portam as coisas sem os seus donos, ou quem sabe encontrar algum sinal das presenças que dali se foram. Seguindo o eco das vozes ressoando como dantes, iniciou sua trajetória pela porta dos fundos e chegou ao quintal. A goiabeira e o limoeiro ainda brilhavam na calmaria de um por do sol, mesmo sem os olhares que antes lhes davam vida. Os frutos que eventualmente caiam com alarde, naquele instante desprendiam-se com certa elegância numa solene despedida. Os pássaros, barulhentos ao se aninharem, fizeram silêncio para não incomodar especial momento de recordações. E ela, envolta na memória e nas lembranças que o tempo embalou, ainda podia ver e ouvir o cachorro latindo e fazendo festa.
Depois, feito sonâmbula, percorreu salas e quartos, selando os espaços, confundindo ausências e saudades. Buscando preencher lacunas, banalidades do cotidiano que fotografias não captam, algo que aparentemente não teve importância, mas que deixou rastros pelo ar. Um além do espelho onde a intimidade, feito dona da casa, instalou. Um restrito mundo de palavras ditas, de sonhos misturados, de sentimentos falsos e demais verdadeiros, de carências bem e mal resolvidas. Com inquietante indagação foi abrindo portas como quem descobre cenas, recuando o tempo, indo e voltando ao sabor de suas recordações. O coração aberto em ferida, parecia decidido morrer aos poucos com a ação de tantas lembranças.
No entanto, a casa que não é gente e nem sente emoção, continuou majestosa e clara, vazia e indiferente ao passado e aos conturbados fantasmas daquela mulher. Junto ao vento varreu para sempre palavras e sentimentos daqueles que partiram em revoada. Numa total irreverência, deu a ela a real dimensão de sua fragilidade, revelando, através de um fúnebre silêncio, que o caminho que um dia ela percorrera, ali mesmo, se esgotara. E que os ecos, imagens e lembranças não expressaram senão a ela mesma, dando vazão a seus sentimentos mais secretos de mágoa, tristeza e solidão.
Os homens com seus revezes passam e as coisas permanecem, foi essa a derradeira mensagem da casa, lembrando que da vida nada se leva. E pela porta da frente, finalmente, ela também passou, decidida a transformar todas as suas dores, prantos e saudades em motivos de canto e de poesia, pois o sabor da vida é encontrado na possibilidade de sua reinvenção.
E tudo o que era parede, muro e sigilo, tudo o que era branco e silencioso, para sempre também se calou.

Maria Lúcia de Almeida