segunda-feira, 1 de abril de 2024

Nas marcas do tempo


Perto de completar 70 anos, e dentro da quietude de meu quarto, deixo que as lembranças me envolvam em um manto nostálgico e acariciem minha alma com as asas da juventude.  Quanta saudade da leveza de meus passos, da inocência no olhar, da coragem desmedida a seguir em frente, a caminhar sem destino, e da liberdade de poder partir a qualquer momento, livre das amarras do tempo. Que as lembranças da minha juventude possam me abraçar mais uma vez, conduzindo-me por caminhos de sonho e liberdade. E que os ventos da aventura voltem a sussurrar em meus ouvidos, instigando-me a descobrir segredos ocultos em cada esquina, a sentir a pulsação da vida em cada cidade, em cada paisagem.  Voltar a ver o mundo como uma vasta terra de possibilidades e sentir como se cada estrada, cada trilha chamasse por mim, convidando-me a mergulhar de cabeça em uma jornada sem fim.  Fechar os olhos e ouvir novamente o som das ondas que quebram na praia, enquanto meus pés tocam suavemente a areia morna, ou andar nas ruas estreitas das cidades antigas onde cada pedra parece contar uma história. Mas não quero e nem vou fazer dessas lembranças um lamento do passado. Ao contrário, quero sim, através delas, poder voltar mundo a fora, desbravar horizontes e continuar colecionando memórias que alimentarão minha alma até o fim dos meus tempos.  E, principalmente, ter a certeza que cada momento, por mais efêmero e fugaz, é como um lembrete da preciosidade que é existir, amar, perder e, acima de tudo, viver. E, assim, no embalo de minhas lembranças e diante da efêmera centelha da vida, sou chamada mais uma vez a dançar na chuva, a amar com toda força de meu coração, a deixar minha marca na areia do tempo, sabendo que, como o dia se despede no horizonte, tudo é temporário. E nessa temporariedade, nessa finitude, encontrar a verdadeira essência do que significa ser infinitamente vivo. Que assim seja, que assim eu deseje, que assim eu possa sempre ser.

 Maria Lúcia de Almeida