sexta-feira, 29 de junho de 2007

Avesso



Estico a linha
Nó na alma
Caio em buracos
Acordo em templos
Faço mágicas
Vendos sonhos
Rasgo-me,
Depois remendo.
Assim vou levando a vida
Não reclamo dos tropeços
Vou costurando meus retalhos
Alegres, tristes, grandes ou pequenos.
Sonhos, amores, ideais
Amassados, roidos, esquecidos
Todos têm as suas cores
Qualidades e defeitos.
O que importa é viver intensamente
Remendada, costurada ou colada
Quem sabe até bizarra!
Esse é meu avesso...
E acreditem, tem encanto.

Maria Lucia de Almeida

Meus gêmeos




Entre dois amores
Eu vivo
São parecidos,
Mas não são iguais
São a alegria e a felicidade,
A beleza e a bondade,
A paz e a serenidade.
São meus filhos amados
Meu tudo
Minha razão e meu viver.

Maria Lúcia de Almeida

terça-feira, 26 de junho de 2007

Ser



"Ontem sonhei que era uma borboleta
E agora não sei se sou uma mulher
Que sonhou que era uma borboleta,
Ou uma borboleta que agora
Está sonhando que é mulher."


Barry Stevens

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Alegorias do Barroco



O CCBB está apresentando uma exposição sobre o Aleijadinho. A mostra traz os santos, frisas em baixo relevo e as réplicas dos Profetas da Igreja de Matosinhos. Claro que o acervo só poderia ser ilustrado pelos versos eternos do ‘Romanceiro da Inconfidência’, de Cecília Meireles. Romanceiro é uma forma literária da tradição oral, poema para ser cantado ou contado de geração em geração. O de Cecília é o maior poema da literatura brasileira, com 85 ‘romances épicos’, em que ela nos conta, em versos cadenciados, a odisséia do herói Tiradentes e seus companheiros. A época é o fim do século XVII, quando teve lugar o ciclo do ouro nas Minas Gerais de Ouro Preto e seu Rio das Mortes. Ouro sempre despertou cobiça e propiciou o estabelecimento de comarcas e distritos, dos quais o centro era Vila Rica. Minas deve seu nome e seu progresso ao ouro. Lá tambem se deu a grande conspiração de 1789, a Inconfidência Mineira.
Que a sede de ouro é sem cura,e, por ela subjugados,os homens matam-se e morrem,ficam mortos, mas não fartos.todos pedem ouro e prata,e estendem punhos severos,mas vão sendo fabricadasmuitas algemas de ferro.
O escultor, arquiteto e entalhista Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, nasceu em Vila Rica, atual Ouro Preto. Ele criou com suas mãos carcomidas um tesouro de ‘fé, engenho e arte’ - título da exposição de obras barrocas de Minas. A arte barroca originou-se na Itália e atingiu outros países da Europa. Chegou à America juntamente com os colonizadores portugueses e espanhóis. Nela, as emoções se contrapõem ao racionalismo renascentista. O estilo barroco traduz a tentativa angustiante de conciliar forças antagônicas: bem e mal; Deus e Diabo; céu e terra; pureza e pecado; alegria e tristeza; paganismo e cristianismo; espírito e matéria, razão e emoção. Os efeitos decorativos e visuais são dados por curvas, contracurvas, espirais, colunas retorcidas; entrelaçamento entre a arquitetura e escultura e acentuados contrastes de luz e sombra:
Anjos e Santos nascendoem mãos de gangrena e lepra- todos os sonhos barrocosdeslizando pelas pedras.
O romanceiro de Cecilia jamais foi excedido por obra que se lhe pudesse comparar, assim como a arte do Aleijadinho jamais foi excedida, embora muito imitada. Visitar Ouro Preto é uma viagem indispensável a nosso glorioso passado. Ruas de ferro, becos, museus e igrejas são percorridos com admiração por turistas brasileiros e estrangeiros. O intenso trânsito de carros e caminhões, mais a proliferação de barracas, vem descacterizando a cidade e perturbando sua solene imponência. Vandalismo e roubos têm impedido o acesso às igrejas, a nâo ser em determinados horários. Não obstante os mafuás, a cidade se mantém como testemunha eloqüente desse conturbado e rico período da história do Brasil.
Sobre o tempo vem mais tempo.mandam sempre os que são grandes:e é grandeza de ministrosroubar hoje como dantesvão-se as minas nos naviospela terra despojada,ficam lágrimas e sangue.
O dia 21 de abril é consagrado à memoria de Tiradentes, a lendária figura que Cecília imortalizou. O Romanceiro acaba de ganhar magnífica edição de luxo, com apresentação de Ana Maria Machado e ilustrações de Renina Katz. O enredo fala de traição, de figuras embuçadas, de cobiça, reuniões noturnas, mas fala principalmente do sonho de liberdade que animava o Alferes e os Inconfidentes.Ai, palavras, ai, palavras,que estranha potência, a vossa!Perdão, podíeis ter sido!- sois madeira que se corta,- sois vinte degraus de escada,- sois um pedaço de corda…- sois povo pelas janelas,cortejo, bandeiras, tropa…Ai, palavras, ai, palavras,que estranha potência, a vossa!Éreis um sopro na aragem…- sois um homem que se enforca!
Para o escritor Joel Neves, em “Idéias Filosóficas no Barroco Mineiro”, “A forma barroca vem inaugurar uma exigência não apenas no campo estrito da arte, mas igualmente uma nova postura face à racionalidade. Preferimos compreender o barroco como inaugurador e não como resultante de uma causalidade que em si contivesse, já formalizadas, as teorizações de uma possível mudança de enfoque da razão. Sem dúvida, o barroco é uma nova concepção de mundo, de homem, o gérmen de uma nova concepção de razão” … “O ilusionismo barroco é efeito da virtuosidade do artista, revelando o poder de transformar a realidade no irreal, o irreal em realidade, o limitado no ilimitado, o orgânico em inorgânico. Daí o período barroco ter se caracterizado pelo exibicionismo do poder - o absolutismo - por uma unidade abrangente de todos os fenômentos contraditórios: o limitado convivendo com o ilimitado; o formal lado a lado com o informal; o simétrico e o assimétrico em um mesmo campo; naturalismo e anti-naturalismo em íntimo conluío”.
Paulo Mendes Campos dizia que somos ‘mineirinhos por fora e barroquinhos por dentro’… Até há pouco tempo, Tiradentes ‘era’ nosso herói máximo, mas hoje já se discute se… Mas que ele era barroco, isso ninguém pode negar! Quando visitamos Ouro Preto, temos a certeza de que Deus também é mineiro e barroco, e que o Aleijadinho é o seu profeta.


Tekka Whitman

sábado, 23 de junho de 2007

Partida



Vejo você caminhando nos meus passos
Vejo-lhe neste tempo, nesta hora
Fugiu como um raio aos meus abraços
E num piscar de olhos foi embora.

Seguiu pra sempre sem me dizer adeus
E nunca soube onde você cansou
Mas no meu cansaço, no meu desgaste,
Não mais olhei os acenos seus.

Você seguiu e eu fiquei sofrida
Pensei na sua figura já sem cor
Perguntei-me o porque desta partida.

E assim, sem sua palavra adormeci
Sonhei mágoas antigas que vivi
Sonhei com sua imagem já perdida.

Maria Lúcia de Almeida
(Aquarela de Haroldo Nazareth)

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Haikai







No limite da flor
Seu último gozo
Beija (a) flor.

Maria Lúcia de Almeida

terça-feira, 19 de junho de 2007

Verdade e Essência



São suas lembranças
Que fazem de mim
Um lugar de encontro
De todos os ausentes.

São suas lembranças
Que fazem de mim
O mais belo canteiro
De todas as flores e cores.

São suas lembranças
Que como a força da chuva
Fecha cicatrizes, lava-me as feridas.

São perdidas pérolas de verdade e essência
Há muito perdidas em praia distante
Que hora aparecem, hora desaparecem.

Mas que me impelem e me instigam
A buscar, a explicar e a entender,
Crescentes respostas de amor
Para meu destino em sua próxima existência.

Maria Lúcia de Almeida

domingo, 17 de junho de 2007

Cheiro de chuva




Numa tarde pelo caminho
De chuva e terra molhada
Passo a passo
Em minhas saudades
Sua imagem tomou forma.

Jeito amigo, sorriso fácil
Peito aberto, coração largo
Quanto carinho e ternura
Em nossas conversas tão animadas.

É sempre assim, e logo você vem
Quando chove e o vento espalha
Aquele cheirinho de terra e chuva
Que só sua doce lembrança tem.

Maria Lúcia de Almeida

Da última esperança



Das lembranças, a mais escondida
Sombra silenciosa e discreta
Ternura que se inunda e logo desvanece
Feito cheiro de flores à janela.

Sonho frágil, pouco acalentado
Entre águas claras se confunde
Barco leve, solto, segue à deriva
Desconhece seu porto de chegada.

Mas eis que no meio desse quase nada
Instante fulgaz - retrocesso -
Surge qual ponto de retoma possibilidade
Da última esperança, ainda um resto!

Maria Lúcia de Almeida

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Cordisburgo, cidade do coração.


Deixo aqui uma crônica minha em homenagem singela a J.G.Rosa e à minha 'filha adotada', Maria Lúcia:


BURITI, MINHA PALMEIRA Estou numa reserva do cerrado, perto de Buritis, chamado RECANTO DAS ARARAS. Viemos com Gigi, a proprietária, e ao chegar logo nos deparamos com um local superaprazível, campos de buritis, uma lagoa, quiosques com redes - muitos animais da região: galinhas, vacas, seriemas, bacuraus, sagüis, periquitos...Um olho d'água brota perto da barragem, as mulheres levam talhas para recolher a linfa cristalina. Os homens contam histórias de bichos: ontem apareceu uma onça pintada enorme, mas só ameaçou, não atacando ninguém - deixou pegadas. Também mataram uma jararacuçu de um metro e meio, o couro ainda está secando no terreiro.A mata é densa - há os buritis; e as veredas. A tarde cai. Onde fica o pôr-do-sol? São dois? São três? Um reflete o outro. "Escolho" um para mim - o mais róseo. Tudo é belo horizonte. A lua desponta - vai ser cheia. Os buritis se acendem, ficam alerta, espetados. Essa lua, esse licor de jabuticaba...Esqueço o medo de cobras, torno-me rural. É noite em Minas - então, vai ter café e pão-de-queijo. Os homens comentam e fazem troça sobre a onça; outro diz que "não perdoa cobra" - mata todas que encontra... Uma menina brinca lá fora com seus malabares, outra lê na varanda, avidamente. "Aleluias" se juntam perto das lâmpadas. A noite se avoluma. A coruja pia, o pavão responde. Acende-se uma fogueira, os meninos assam milho e batata doce. Os homens fazem roda de catira e, ao ritmo das palmas, vão tirando versos: Buriti, minha palmeira, Já chegou um viajor...Não encontra o céu sereno Já chegou o viajor...Um boi preto, um boi pintado, Cada um tem sua cor Cada coração um jeito De mostrar o seu amor. Buriti, minha palmeira, Toda água vai olhar Cruzo assim tantas veredas, Alegre de te encontrar...Vou olhar o céu. Na noite negra, mil olhinhos cintilam: "Absolutas estrelas!" •



Cordisburgo, cidade do coração / 25/06/2006

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Velhas saudades


Larguei dos pesadelos e sonhei que um dia
Descia um calmo rio cheio de remansos
Era a minha paz a procurar descansos
Ou mesmo escassas chuvas de alegria.

E assim descia leve sobre a canoa
E foi-se a tarde quente, vindo a noite
E mesmo só, restava-me a poesia
Que vinha nos papeis, escorrendo à toa.

E assim segui em frente pelas águas turvas
Segui descendo o rio sem temer as luas
Que revelam os mistérios das águas para o mar.

E fui feliz na vida navegando
Pelos rios dessa vida fui deixando
Velhas saudades de uma poetisa a navegar.

Maria Lúcia de Almeida

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Poema Antológico


Na trilha dos sonhos
Cria-se fantasias e modelos
E na expectativa de seduzir
É tramado um enredo.
A vida mesmo desarticulada
Segue sua viagem mar adentro
Tem novo tom que se insinua
É a esperança de amar de novo.
E assim... cria-se o outro
- Réplicas -
Como um espelho
Diante do espelho.

Maria Lúcia de Almeida

terça-feira, 12 de junho de 2007

"O Sertão é dentro da gente"







"O Correr da vida embrulha tudo. A vida é assim, esquenta e esfria, aperta e depois afrouxa, aperta e depois inquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer, é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre e amar no meio da alegria. E ainda mais alegre, no meio da tristeza. Todo caminho da gente é resvaloso, mas cair não prejudica demais, a gente levanta, a gente sobe, a gente volta."

(João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas)