sábado, 19 de dezembro de 2009

Aquarela



Por quais caminhos
vagueia a tua alma?
Em que cais
manténs preso o coração?
Será alguma doce lembrança,
ou quem sabe, um triste adeus.
O que sonhas, bela menina
Enquanto o artista
- na suavidade do pincel -
busca retratar tua emoção.


Maria Lúcia de Almeida
(Aquarela de Bruno de Almeida Nazareth)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Tardes mágicas


Na bela tarde
Sigo os rastros
De meus dias.
Descarto o tempo
Atravesso ruas
Paro em qualquer esquina.
Sem perspectiva
- presencio -
Por um toque
Sou fotógrafa
Por um instante
Tudo é magia.

Maria Lúcia de Almeida

sábado, 28 de novembro de 2009

Silêncio nas palavras

Se já não sabe o que quer
E se perdeu em sua 'cômoda' loucura
Não magoe o amigo só por querer.
Não diga tanta bobagem
Faça silêncio em suas palavras
E deixe o coração dizer.
Volte aos caminhos de outrora
Procure pelo ser maravilhoso
Que desapareceu...
E nem sabemos por quê.

Maria Lúcia de Almeida

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Pelo meio...

Escrever, ler , dizer , contar
Pra que?
Quando ainda permanece no ar
Uma única palavra  que se destaca:
Despedida.
Dói tanto, até no respirar.
Você foi embora com minhas páginas,
Rasgou e mutilou o meu romance,
Deixou-o sem final e sem começo.
E no meio da história, só no meio...
Sem início, sem rumo, sem desfecho
- esfarelado -
Nosso triste desespero.

Maria Lúcia de Almeida

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Partidas


‘Departures’ ou ‘A Partida’ – título em português – é um filme sensível e também muito interessante por se tratar da milenar cultura japonesa em lidar com a morte. A peculiar tradição de um país que ao entrar em choques existenciais contemporâneos, leva-nos a refletir sobre uma questão que, para nós ocidentais, é por demais esmagadora: o medo da morte.
Para a maioria das pessoas, esse é um assunto empurrado para o subconsciente e negado na vida cotidiana. No entanto, o filme, com muita sutileza, nos mostra uma outra face da morte que não somente a do apego, da dor e do desespero. Enquanto o personagem Kobayashi age como guardião entre a vida e a morte, aos poucos, vai compreendendo que mesmo em tempos obscuros de pranto e de dor, a beleza pode habitar. E nos momentos que antecedem ‘a partida’, trabalha para que ninguém pense em preto, ninguém pense em luto, ninguém veja o morto como diferente, estranho ou intruso.
O morto é apenas o vivo que conclui o trabalho de viver e, com toda dignidade, é primorosamente preparado para sua nova jornada.
Uma nova jornada: é esse o sutil toque de ‘A Partida’. Assim como os filhos seguem seus caminhos quando crescem, os primeiros professores, os grandes amores e até os amigos quando escolhem rumos diferentes. O nosso grande mal é traçar essa barreira de pavor entre mortos e vivos, como se a separação efetiva houvesse realmente entre vida e morte.
A vida emana da vida, o botão se transforma em flor, a criança se torna adulto...a vida não é outra coisa senão a preparação para as partidas.
E no final ficamos menos tristes, menos confusos e menos vulneráveis ao sentirmos que nada precisa morrer no instante da morte. É apenas o deixar fluir da natureza, certos de que em meio às cinzas está a semente do novo que quer nascer.
Maria Lucia de Almeida

sábado, 3 de outubro de 2009

No Invisível

Luzes brilhantes
Sombras melancólicas
Mantos densos
Mantos leves
- mistério e paradoxo -
Opostos que se mesclam
Para reinventar a vida.
Sofrimento
Ignorância
Iluminação
Bem-aventurança.
Como nuvens de energia
Sentimentos misturam-se no invisível.
Como a essência e o amor,
A transformação e o transformador.

Maria Lucia de Almeida

terça-feira, 15 de setembro de 2009

"Vive l'amour"


‘Vive l’amour’ é um filme especial e também uma obra prima visual. Quase desprovido de diálogos e misturando contrato de sagacidade, estranho erotismo e profunda tristeza, é um filme realista e, ao mesmo tempo, poético e sensível. Um filme para poucos, pois está muito além do mero entretenimento e acima da superficialidade do cotidiano jornalístico.
No enredo, Hsiao é um tímido vendedor de urnas funerárias, possui tendências suicidas e, como forma de redenção, busca coragem para por fim à própria vida. Mei-mei é uma corretora de imóveis que encontra no sexo uma forma de compensar seu intenso sentimento de abandono e infelicidade. Ah-rong vende roupas usadas e se ‘vira’, pelas ruas, para sobreviver. Três jovens solitários e fechados em seus próprios desesperos que acabam se encontrando em um apartamento vazio da cidade em busca da satisfação nos atos compartilhados. Vidas tristes e trocadas, caminhos densos, onde o viver ‘cada um por si’ e a incomunicabilidade são condições do mundo atual e a principal causa do sentimento de abandono e exclusão.
É o cinema contemporâneo que vem tratando da solidão urbana, da falta de amor e de comunicação entre as pessoas. De um mundo onde o materialismo e a alienação urbana ganham espaço e imperam sobre a civilidade e a razão da grande parte das sociedades. Onde o capitalismo com seu efeito globalizar produz uma realidade fria que não mais reflete o interior das pessoas, mas apenas o exterior. Vida de desencontros, vida de excluídos, sofrimento sem nenhum atenuante.
Geralmente , ouvimos, vemos e sentimos conforme nossas inclinações e evitamos, até mesmo excluindo, pessoas com a sensibilidade para enxergar determinadas facetas de nossa realidade. Uma dessas pessoas é o diretor Tsai Ming-Liang que através de seu excepcional “Vive l’amour” veio nos confirmar que muitas vezes mentimos mais alto quando mentimos para nós mesmos.
Maria Lúcia de Almeida

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Divino espetáculo


Por que será que precisamos de tantos significados, explicações, rótulos, conclusões e detalhamentos?
Qual a grande necessidade de estarmos sempre nos explicando, batizando todas as coisas, concluindo se é assim ou assado. Criando atalhos e justificativas, buscando lógica e razão, queremos segurar o mundo através de nossas cabeças, acumulando informações e conceitos.
Entender, em certo sentido, é também fragmentar, dividir, analisar. Em nossa ansiedade por entendimento acabamos por reduzir a vida à dimensões já conhecidas, para em seguida cairmos no tédio e no desinteresse. Quando crianças, o mundo é sempre mágico e somos a pura expressividade. À medida que amadurecemos e aprendemos que a vida é assunto muito sério, esquecemos de brincar, de sentir e de apenas emocionarmos.
Tudo isso me ocorre a propósito de uma viagem de férias que fiz a um lugar paradisíaco chamado Dunas de Itaúnas. Um pequeno vilarejo que fica ao norte do Espírito Santo e que nos anos 50, devido ao lençol arenoso soprado pelos ventos nordeste, foi totalmente soterrado. A vila, como que brotando das cinzas, renasceu nos anos 70 ao lado do rio Itaúnas. Do outro lado, próximo ao mar de um azul profundo, edificaram-se maravilhosas dunas de até 30 m de altura de areia dourada e finíssima onde o sol celebra sua existência derramando lindos raios.
Do alto das dunas é possível ver a praia de um lado e o rio de outro, e o lugar atrai turistas de todos os cantos do mundo que, ao chegarem em Itaúnas, ficam fascinados pela manifestação do sol na hora do crepúsculo. Nessa hora, por alguns minutos, o céu é encoberto por raios e luzes multicoloridas formando um gigantesco arco-íris. E a vila, como que refletindo as cores do céu, nos dá a impressão do mais belo paraíso já retratado  numa tela de Monet.
Foi durante esse belíssimo espetáculo, raro momento em que me permiti ir além dos limites do conhecido em busca dos mistérios do Sagrado e com a alma embriagada por tanta beleza, acreditando que nada existe que não tenha forma antes inventada pela natureza, que escuto, por acaso, a expressão de um pequeno coadjuvante da mãe-natureza. Uma criança no colo de sua mãe que, naquele momento, tornou-se  símbolo do reencontro com a minha própria emoção ao exclamar:
- Que lindo, mamãe! Quem pintou?

Maria Lucia de Almeida

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Numa só janela

Se tudo acontece
Numa só janela
Abra a cortina
Deixa o sol entrar.
Mas se faz
Vento com chuva
Não feche a janela
Nem se tranque.
Que o cheiro da chuva
Traga lembranças
Que o vento
Sopre esperanças
Que bem nos disse Cecília:
O bom da vida
É o reinventar.

Maria Lucia de Almeida

sábado, 15 de agosto de 2009

Procura-se


Sabe quem é você?
Nem eu!
Foi desaparecendo aos poucos
Pelos caminhos por onde andou
Um pedaço aqui, outro acolá...
Até que tudo acabou.
Foi viajando pelo mundo,
Descendo através de um túnel
E sozinha outra parte ficou...
Sem rumo.
E o que restou?
Nada ou quase nada
Nem o fundo do poço encontrou.

Maria Lucia de Almeida

Minha lembrança


Mesmo com tantas chuvas e trovoadas
Mesmo com tantos choros de pesar
Varei o negro véu das madrugadas
Andei pelos encantos de te amar!

Maria Lucia de Almeida
(Aquarela de Haroldo Nazareth)

domingo, 9 de agosto de 2009

Olhos de Gude



Tardes de céu muito azul, são os dias de inverno da minha cidade. E durante uma dessas tardes, em um café na livraria da Travessa, foi que me apareceu, de súbito, por um instante quase surreal, aquela criaturinha:
- Compra bala na minha mão, moça!
O que mais me emocionou naquele instante, não foi somente o fato de mais uma menina de rua estar ali, circulando entre os clientes, vendendo balas baratas para sobreviver. Foi, principalmente, a beleza angelical de no máximo sete anos de idade, corpinho moreno e franzino, cabelos cacheados e olhos bem escuros, redondinhos, que mais pareciam duas bolinhas de gude. E se não fosse pelos humildes trajes, eu diria que ali, bem na minha frente, estava uma das mais belas meninas retratada pelo artista Renoir.
 Refreando o instinto maternal que ditava a minha enorme vontade de puxá-la para o meu colo e lhe fazer muito carinho, o que fiz, naquele momento, foi uma malfadada pergunta:
- Por onde anda a sua mãe, menina?
O que estava por trás da minha pergunta não era tão somente a vontade de saber por onde andava a mãe biológica, a madrasta talvez, que jogava no desamparo sua prenda mais linda, uma miniatura de anjo de pés descalços e mãozinhas em flor, a mendigar por uns trocados. E sem pensar em razões ideológicas, eu me perguntava também pela mãe pátria e por seus filhos; os filhos da rua, os filhos do medo, filhos da fome e do sofrimento. Milhares de crianças que estão por todos os lugares, debaixo de marquises e pontes, dependurados em ônibus, a dizer mentiras, pois são mentiras o que a mãe-pátria lhes ensina mesmo antes de compreenderem o que é o bem ou o mal. O único calor que conhecem é o que vem do asfalto. Acolhe-os as marquises dos grandes edifícios, num grande e frio abraço de concreto. Meninos de rua que não têm vida de criança, pois são precoces soldados que roubam para a guerra da sobrevivência.
Mas de que adianta praguejar contra uma  realidade, que admitindo ou não, sou prescrita seguidora? Fico no meu canto encolhida, impotente, no peito a raiva e o desgosto, outra vez o desespero e o desanimo, pois nada pude fazer pela menina dos olhos de gude que, ao se ver indagada de sua mãe, fugiu feito um foguete, desaparecendo na próxima esquina.

Maria Lucia de Almeida

sábado, 1 de agosto de 2009

Fugacidade

Os anos passam, vai-se um, enfim centenas,
Ficam somente marcas dos homens
Em páginas, em muros, em becos escuros
E representam somente palavras.

Tolas palavras são jogadas pelos ares,
E assim se perdem, pois jogadas são perdidas,
Tolas lembranças são por nós bem esquecidas
Porque palavras não se prendem aos olhares.

Marcas são poemas, alegres ou aflitos
Que ficam nos papéis, eternos manuscritos,
Feitos por todos que partiram desse mundo.

Os homens morrem, os poemas vão em frente,
Seguindo pelos caminhos, indiferentes...
Mostrando quão fugaz é a nossa vaidade.

Maria Lucia de Almeida

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Cotidiano

Vão-se os homens
Gritos presos nas calçadas
Sempre quietos
Sempre mortos
Tão tristonhos.
Vai-se a vida!
- Vivam em vão almas caladas -
Sem ao menos expressar
Seus belos sonhos.

Maria Lucia de Almeida

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Breve Despedida


Parto agora para longe
Parto para viver
Pois muito não sei o que é viver
Mas volto um dia
Sim, vou voltar
E quando esse dia chegar
Deixa eu ser
Qualquer coisa para você
Assim como uma lua brilhante
Ou até quem sabe
O brilho mais lindo de seu olhar

Maria Lucia de Almeida

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Palavras como Rosas


Esperava palavras espumosas
palavras aderentes, diferentes palavras
que ficassem, não partissem.
Palavras foram rosas
breves perfumosas.
Mas fizeram um estardalhaço!
Uma explosão: cobriram espaços!

Eloisa Helena

domingo, 19 de julho de 2009

Da crítica ao elogio


Nuvens carregadas, vento frio, sinal de muita chuva...
Pela janela do meu quarto observo o quão cinza é a cor da tarde de domingo.
Numa tarde assim o espírito torna-se receptivo a tudo e, um pouco mais, aos tristes sentimentos de mágoa.
Por que será que há sempre alguém magoando alguém? Por que se tornou tão fácil apontar defeitos, discriminar afetos, criar ressentimentos?
Nunca tantas pessoas têm evitado a ansiedade e a angustia, inerentes ao autoconhecimento, preferindo mudar as regras do jogo. Ao invés do elogio que humaniza e dá sentido à vida, preferem a crítica ou, ainda pior, o deboche.
Para que serve a crítica? Basicamente, para que não se corra o risco de sentir-se de forma diferente. Tão somente espelho a refletir, pois a vaidade, a arrogância e a soberba nascem precisamente da falta de amor por si mesmo e esconde uma ferida narcísica de impotência e humilhação. Exaltar o mortal veneno e dizer que busca a verdade jamais será solução de sobrevivência. Entretanto, seguir o caminho inverso ao da crítica é uma maneira de fortificar a solidariedade, incentivando o melhor que existe em cada ser humano. Dar um elogio é uma forma de afago e carinho, tem como objetivo sentirmos queridos e amados, e não implica em dívida nem tão pouco em crédito. Ir da crítica ao elogio é ousar a possibilidade do amor. Em realidade, necessitamos de humildade para adquirirmos o verdadeiro orgulho de sermos quem somos. Fazer brotar a centelha divina que dá ânimo para seguir adiante, enfrentar as durezas da vida e, quem sabe, até arriscar um simples bater de asa no céu, uma cantiga de ave, um atrevimento de vôo...
De súbito, a chuva cai forte acordando-me do devaneio, do balançar entre a inquietação e a paz que só existe nos corações sensíveis. Da lembrança surgem as brigas do tempo de criança quando uma dizia a outra: ‘o que vem de baixo não me atinge’ e em seguida: ‘ah, então senta em cima de um formigueiro’.Duas frases ingênuas, mas que têm um certo um fundamento. Já pensando em fugir de alguns ‘formigueiros’, busco pelo poder miraculoso de transformação do elogio nas palavras adequadas que os mestres sussurram aos meus ouvidos. A eles credito os meus acertos. E de volta à tarde de vento e chuva, busco pelo aconchego, na certeza de que em breve, quando menos esperar, um novo raio de sol vai despontar.

Maria Lúcia de Almeida

domingo, 5 de julho de 2009

Ultimo Adeus




Ninguém soube jamais se foi por saudade ou apenas solidão que fez com que ela voltasse àquela casa. O fato é que depois da separação, o inquieto coração começou a vacilar entre recordações de felicidade e tristeza. E foi pelos mandos do coração que, ao invés de seguir caminho reto, parou diante da casa vazia. Queria ver de perto como é que se portam as coisas sem os seus donos, ou quem sabe encontrar algum sinal das presenças que dali se foram. Seguindo o eco das vozes ressoando como dantes, iniciou sua trajetória pela porta dos fundos e chegou ao quintal. A goiabeira e o limoeiro ainda brilhavam na calmaria de um por do sol, mesmo sem os olhares que antes lhes davam vida. Os frutos que eventualmente caiam com alarde, naquele instante desprendiam-se com certa elegância numa solene despedida. Os pássaros, barulhentos ao se aninharem, fizeram silêncio para não incomodar especial momento de recordações. E ela, envolta na memória e nas lembranças que o tempo embalou, ainda podia ver e ouvir o cachorro latindo e fazendo festa.
Depois, feito sonâmbula, percorreu salas e quartos, selando os espaços, confundindo ausências e saudades. Buscando preencher lacunas, banalidades do cotidiano que fotografias não captam, algo que aparentemente não teve importância, mas que deixou rastros pelo ar. Um além do espelho onde a intimidade, feito dona da casa, instalou. Um restrito mundo de palavras ditas, de sonhos misturados, de sentimentos falsos e demais verdadeiros, de carências bem e mal resolvidas. Com inquietante indagação foi abrindo portas como quem descobre cenas, recuando o tempo, indo e voltando ao sabor de suas recordações. O coração aberto em ferida, parecia decidido morrer aos poucos com a ação de tantas lembranças.
No entanto, a casa que não é gente e nem sente emoção, continuou majestosa e clara, vazia e indiferente ao passado e aos conturbados fantasmas daquela mulher. Junto ao vento varreu para sempre palavras e sentimentos daqueles que partiram em revoada. Numa total irreverência, deu a ela a real dimensão de sua fragilidade, revelando, através de um fúnebre silêncio, que o caminho que um dia ela percorrera, ali mesmo, se esgotara. E que os ecos, imagens e lembranças não expressaram senão a ela mesma, dando vazão a seus sentimentos mais secretos de mágoa, tristeza e solidão.
Os homens com seus revezes passam e as coisas permanecem, foi essa a derradeira mensagem da casa, lembrando que da vida nada se leva. E pela porta da frente, finalmente, ela também passou, decidida a transformar todas as suas dores, prantos e saudades em motivos de canto e de poesia, pois o sabor da vida é encontrado na possibilidade de sua reinvenção.
E tudo o que era parede, muro e sigilo, tudo o que era branco e silencioso, para sempre também se calou.

Maria Lúcia de Almeida

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Trégua


Leve como uma flor, fácil
Sem se assustar:
Estica, estica bem o corpo
E recebe o impacto.

Demais vozes...as demais
Baque quase irreconhecível
Cutuca...
Na veia, a vida pura.

Não há mais espaço
Está por demais acomodada
E sabe, não adianta
Então, não adianta falar.

Presa em mar de significados
Sem meias desculpas
Conseqüente...
Arranca das tripas, coração.

De repente seu fruto, mais doce
Movimento real, lucidez
Frente ao horizonte
Grita ainda viva, a flor.

Apalpa o vácuo
Mistura-se ao espaço
Intensifica...
Que seja ela própria, silêncio.


Maria Lucia de Almeida

domingo, 31 de maio de 2009

Sonho de uma noite


Hoje
Tive um sonho
De tantos outros
O mais desejado.
Caminhávamos pela noite
Na companhia do luar. 
Em confidências você chorou
Pediu carinho, pediu minha ajuda
E eu, em segredo
- bem baixinho -
Jurei pra sempre lhe amar.

Maria Lucia de Almeida

domingo, 10 de maio de 2009

Pequena confissão




Tu fostes no meu sonho
Um sonho muito lindo
Um céu inspirado
De muitas poesias
Gotas de sereno
Que minha alma refrescou
Nuvem que passou
E deixou rastros de saudade
Folha de outono
Que o vento carregou
Perfume de muitas lembranças
Motivo do meu mais belo
Enredo de amor.

Maria Lucia de Almeida

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Acredito


Acredito no escritor
Que compõe um mundo sonhado
Entrelaçado ao que percebe
Do universo ao seu redor.

Uma figura de linguagem
- O que será que o poeta quis dizer -
Que possui o poder de tanto encantar ?

Uma mensagem enigmática
E ao mesmo tempo tão bela,
Quanto a água que da fonte
Flui feito linguagem.

Maria Lúcia de Almeida

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Blade Runner


"Entramos no cinema e descobrimos, numa cidade do futuro - não tão distante - uma experimentação de montagem de um novo território do desejo. É Riddley Scott que nos introduz a esse mundo, em seu filme Blade Runner. Nele somos apresentados aos "replicantes": robôs programados para colonizar o espaço. Perfeitas réplicas do homem, eles só não estão equipados para produzir réplicas emocionais ( isso só atrapalharia sua livre circulação pelos planetas, indispensável ao cumprimento de sua tarefa). São réplicas sim - mas das máquinas celibatárias, em seu máximo aperfeiçoamento.
Mas isso não é assim tão tranquilo para eles: quando está por expirar seu prazo de existência, rebelam-se. Replicam. No começo do filme, eles acabam de voltar à Terra justamente para subverter esse seu destino. Querem desertar sua condição de desalmados: já pressentem essas faixas de frequência para as quais o homem, seu criador, negou-se deliberadamente a equipá-los. Atacam a empresa de seu criador: querem viver. Mas a vida já não pode ser para eles - seu destino é fatal. Sua revolta só vingará se contaminar os homens.
Ficamos na esperança - talvez ingênua - de que os replicantes inventarão outra espécie de amor. Ficamos sonhando com a possibilidade de... uma outra cena? um outro mito? Um amor não tão demasiadamente humano. Montagens desintoxicadas do vício de redução do desejo de mundo a um objeto-pessoa ou uma pessoa-objeto. Ficamos imaginando um além do homem (humano e/ou desumano), onde campos de intimidade se instaurem. Uma certa inocência... Um além do espelho, onde o outro não seja mais aquilo que delineia nosso contorno. Uma nova viagem, uma viagem solitária: uma solidão povoada pelos encontros com o irredutívelmente outro.
Mas como seria essa viagem? Quase replicantes que somos, já sabemos também de que é feito esse empenho. Faz muito tempo que fomos contaminados pelo segredo de Roy, replicante chefe.
O empenho é pelo amor. O empenho é feito de amor. Mas, por enquanto, pouco ou nada sabemos acerca dessa espécie de amor. Afinal, esse é apenas o primeiro encontro entre um homem-quase-replicante e uma replicante-quase humana."
Texto da escritora
Suely Rolnik

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Vida e Morte

No sabor das recordações
Vida e Morte
- em retrospectiva -
Fazem o jogo de tudo ou nada.
Companheiras de solidão
Procuram por seus fantasmas
Disputando na surdina
Os lances limítrofes da existência.
Como numa moeda
- verso e reverso -
São parceiras inseparáveis
Porém coladas que são,
Se uma põe, a outra dispõe.

Maria Lúcia de Almeida

terça-feira, 7 de abril de 2009

Vestígios


Desce o poente
Na tarde vazia
Vão prateado
Da noite sem cor.

Em nuvens pesadas
E na penumbra sombria
Fácil é sentir-se perdido e só.

Por uma vida tola em que se omite
Por sonhos sempre desfeitos
Por quem chora ou já chorou.

Tudo o que hoje é presente
Se transformará em lembrança
Em versos simples...
Nos vestígios de um poeta.

Maria Lucia de Almeida

sexta-feira, 3 de abril de 2009

A carta que eu queria ter escrito...




Se um dia
Sentir-se muito cansaço,
Cansado de tudo
Cansado do nada
Abra a cortina do alvorecer
E deixe cair estrelas no gramado.

Namore a lua que surge mais tarde
Desvende caminhos no cheiro da noite
Recorde os tantos lugares visitados
Vislumbre os que ainda sonha conhecer.

Sinta no corpo a leveza do vento
O frescor das primeiras chuvas
E a gostosa sensação do arrepio.

Lembre-se do perfume das tardes da infância
Do aconchego das velhas amizades
Do tesão de todos os amores
Da magia de cada amanhecer.

E lembre-se mais...
Basta que você queira
E tudo acontece novamente:
No ser, pelo ser, para o ser
Nesse nosso lindo viver.

Então, por favor, meu irmão
Dê uma nova chance a você!

Maria Lucia de Almeida

quarta-feira, 25 de março de 2009

O que sei




O que fazer
- não sei -
O que sei
São passagens
Paragens
Desígnios(?)
- ainda não sei -
O que resta?
Não calculo
Não somo
Nem divido
- não fantasio -
Apenas sei.
E sigo:
É o meu caminho
- não desisto -

Maria Lucia de Almeida

terça-feira, 24 de março de 2009

Tantos...




Só queira entender
Tantas falas
E soltas palavras
E conflitos...
Tanta dor que vem depois
De falsas despedidas.
Da força que fazemos
E tantos esforços
Para dias perdidos em desarmonia.
Tantas guerras sobre nós temos feito
E a vida questionada tão a fundo,
Numa busca incessante pelo avesso.
É sofrimento escondido nas entrelinhas,
É guerra sem armas e sem propósitos,
Sem ganhadores ou vencidos.
Tantos semelhantes...
Náufragos e perdidos
Numa mesma ilha...
Uma só saída.
                                                                 
Maria Lucia de Almeida

sexta-feira, 20 de março de 2009

Outono

No Outono
Sol e chuva
Se misturam.
Entre o verde
E as folhas maduras.
Época de harmonizar as diferenças.
Entre todas as coisas
Ceder e superar.
Preparar o solo
Preparar a alma
Para que novas sementes
Revitalizem o nosso lugar.

Maria Lúcia de Almeida

sexta-feira, 13 de março de 2009

Doce Porto



"Terei o doce porto , após todos esses desanimadores
desvios de rota e todos esses vaivéns para cá e para lá?
O porto onde minha alma enfim descansada, num sólido molhe
junto ao farol giratório, contemplará o mar."

André Gide

quarta-feira, 11 de março de 2009

Por um pouco de paz




E o que queria se assim não fosse
Sonhos perfeitos jamais existiram
Minhas escolhas superaram a tarefa
De um dia existir sem conflito.
Mas o que vejo
São folhas mortas
Pensamentos vazios
Coração sem pulso
- Por que mutilastes teus passos? -
- Por que não seguistes teus ritos? -
- E agora, o que fazes? -
Dobro as esquinas
Atravesso os sinais
Atiro-me ao vento
E respiro.

Maria Lucia de Almeida

sábado, 7 de fevereiro de 2009

O amor anda Impossível? - Suely Rolnik

Que a família implodiu, já sabemos. Isso não é de hoje. Dela restou uma determinada figura de homem, uma determinada figura de mulher. Figura de uma célula conjugal. Mas esta vem se “desterritorializando” a passos de gigante. O capital inflacionou nosso jeito de amor: estamos inteiramente desfocados.
Dois extremos: em um é o medo da desterritorialização que sucumbimos, ou seja, nos enclausuramos na simbiose, nos intoxicamos de familialismo, nos anestesiamos a toda sensação de mundo – endurecemos. No outro extremo – quando já conseguimos não resistir à desterritrorialização e, mergulhados em seu movimento, tornamo-nos pura intensidade, pura emoção de mundo – um outro perigo nos espreita. Fatal agora: inteiramente desprovidos de territórios, nos fragilizamos até desmanchar irremediavelmente.
Entre esses dois extremos, ou essas diferentes maneiras de morrer, ensaiam-se desajeitadamente, outros jeitos de viver.
Penélope e Ulisses – sobreviventes do naufrágio da família – encarnam em todos nós, nos arrastando para essa maldita simbiose que nos persegue, homens e mulheres, só variando seu estilo. Essa maldita vontade de espelho. Essa sede insaciável de absoluto, de eterno. Na imobilidade ranheta de Penélope ( que tece, mas eternamente os mesmos fios) ou no movimento compulsivo de Ulisses (que nada tece), é sempre a mesma chatice, a mesma impotência, o mesmo sufoco.
Penélope controla o tempo: tece a trama da eternidade. Ulisses controla o espaço: monta a imagem da totalidade. Dois estilos complementares da vontade de absoluto: imobilidade morna e melosa, mobilidade fira e seca. É a mesma esterilidade. Uma só neurose: equilíbrio homeostático. Medo de viver. Vontade de morrer.
Penélope e Ulisses somos todos – em diferentes matizes, a cada momento. Além disso, não é sempre o mesmo Ulisses que Penélope espera voltar; não é sempre a mesma Penélope que Ulisses abandona ao partir – eles variam, e cada vez mais. No entanto , a cena é sempre a mesma : há sempre uma mulher que desempenha a Penélope para ele, sempre um homem que desempenha o Ulisses para ela ( ou vive-versa). Remanescentes ativos de uma família desaparecida, que reproduzimos artificialmente sob as mais variadas formas. Reterritorialização, eterna condenação a “fazer cenas” em família, maneiras e maneiras de teimar que um dia “isto” ainda fica inteiro...
Mas...se um dia , o Ulisses – presente em cada um de nós, homens e mulheres – sai de cena: desgarra-se definitivamente de Penélope. Ele não voltará nunca mais. Supera o medo, já não precisa de espelho na espera dela, nem na de ninguém: entrega-se de corpo e alma à desterritorialização . E uma outra cena se instaura: a das máquinas celibatárias.
Sem território fixo, as máquinas celibatárias erram pelo mundo. Com cada fio que se apresenta – humano ou não – elas tecem , se tecem. E cada novo fio, elas esquecem , se esquecem. Sem identidade, são pura paixão: nascem de cada estado fugaz de intensidade que consomem. Seu vôo, já longe do sufocante mundo dos Ulisses e Penélopes, atinge universos insuspeitados. A vida se expande. Há uma alegria nessa expansão. Grandeza celibatária.
No entanto, há também uma miséria nisso tudo: é que nunca articulam-se os fios, nunca territórios se organizam. E assim o potencial de expansão contido na recém-conquistada intimidade com o mundo se desperdiça. Dispersa.
Nessa fúria de tecer com tantos fios, tão rapidamente substituídos, não mais conseguimos nos deter. O outro, descartável, é a mera paisagem que, quando muito, mimetizamos . E, almas penadas, viajamos por entre essas paisagens que se sucedem, assim como nós mesmos. Nunca pousamos em paisagem alguma de modo a constituir território e, reorganizados, prosseguimos viagem. Miséria celibatária. Há uma certa amargura nisso tudo.
Duas cenas, dois perigos, um só dano: entre a simbiose e a desterritorialização vivida como finalidade em si mesma, quem sai perdendo é o amor.
Suely Rolnik

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Tributo à Natureza



Um tronco tosco
Um mato verde
Um riacho
A caminho da nascente.
Secreta magia da floresta!
No momento atento,
Vem o vento...
Ativa e reativa a vida,
Num brinde de brinquedo
- Imerso -
Aos versos do poema do universo.

Maria Lúcia de Almeida

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Fragmentos de um romance

Muito tempo se passou sem que Joana tivesse notícias dele. Só uma vez soube que se casara com uma rica moça da Bahia. Naquela semana, recebeu dele um e-mail contando o prematuro fim de seu casamento. Dizia também estar com muita saudade de Joana, que nunca a esquecera, e que agora vivia à moda de lobo solitário, sem amores, sem amigos, mas com uma enorme vontade de revê-la.
Da primeira vez que Joana leu o e-mail não entendeu. Até se assustou. Depois de muitas releituras compreendeu: estava para retornar à sua vida o seu mais importante caso sentimental. Quem sabe agora ele viria sedente de companhia e de amor, passando uma esponja sobre o passado, sem querer falar ou saber, sem querer ouvir, apenas viver uma vida nova. Para Joana a ilusão nasceu com a chegada daquele e-mail. Voltou a recitar poemas, a sonhar com todos os beijos e com o verdadeiro amor que ainda não provara.
Joana passou a não mais reclamar da vida, pois a vida para ela agora era só promessa.
Correu para o armário escuro e simples, e entre seus vestidos, que não eram muitos, começou a escolher aquele que a faria mais atraente. Nenhum passou pelo teste, não eram suficientemente bonitos para aquele reencontro. E fazendo então umas contas de cabeça, calculou que vendendo isso ou aquilo, daria para comprar um vestido novo. Afinal, tudo valia a pena para enfeitar um corpo e uma alma latentes de desejo.
Combinaram de se encontrar em uma livraria-café, às sete horas, no momento dos sonetos. Joana comprou um livro de poesias de Fernando Pessoa, escreveu nele uma tímida dedicatória e o guardou dentro da bolsa. Um presente que valeria como uma declaração de amor.
Finalmente o tal esperado encontro aconteceu. Ele chegou aparentando mais velho e cansado, abraçou Joana distraidamente, sem ao menos lhe reparar a primorosa produção, e depois de soltar um prolongado suspiro desabafou todo o seu desespero. Contou estar arrasado com o término do seu casamento, que ainda amava desesperadamente a ex-esposa e o pior, que ela o havia abandonado totalmente arruinado, ou seja, sem amor, sem esperanças e sem dinheiro.
Aquela inesperada e honesta confissão, feita como e por um amigo, martelava a cabeça de Joana, num impulso que era ao mesmo tempo de solidariedade e decepção. Vontade de abraçar e vontade de ajudar – como se fosse possível ajudar – apagando-se, deixando de discernir, impedindo que as próprias lágrimas acontecessem. Como consolar e dizer belas palavras a um homem que, feito um canibal, comera seu coração junto com todas suas ilusões de amor?
No entanto, cada coisa tem sua hora e cada hora o seu cuidado. Joana escutou, embora com muita dor, passivamente até o fim, as lamentações do novo amigo. Quando o táxi partiu e a cidade começou a correr dos dois lados do vidro, ela percebeu que pouca coisa mudara, ou quase nada mudara. Lembrou-se do livro de poesias de Fernando Pessoa que ficara em sua bolsa e citou: "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.



Maria Lúcia de Almeida

sábado, 17 de janeiro de 2009

Como nuvens






As nuvens me ensinaram minha primeira lição de filosofia.
Elas me ensinaram a filosofia de Heráclito: "tudo flui, nada permanece".

Rubem Alves