quarta-feira, 5 de março de 2014

Um carnaval, Uma fantasia...



Porque era sábado de carnaval. 
Porque era preciso cair na folia, inventar a fantasia, reinventar a alegria e brincar. Até (com) a morte?
E no embalo das marchinhas de carnaval, lá ia a moça desfilando, empostada em sua macabra fantasia.
Dos pés ao ombro era uma mulher como as outras, livre e solta em seu vestido de renda. Mas a máscara que encobria seu rosto era muito branca, que nem anjos de mármore, que nem boneca empalhada. A boca costurada e o olhar pintado de negro, distante, como luz pela vidraça, lembrava o silêncio das covas, lembrava a cara da morte.
O conjunto não era feio, nem assustador. Era antes comovente e esperado, pois no carnaval - vivos e mortos - todos nos sentimos unidos, companheiros e misturados. Até trazia no alto da cabeça um bonito arranjo de flores, servia - quem sabe - para alertar que no cemitério deveriam se plantar menos homens e mais flores. 
Destemida na aparência, seguia a moça a brincar e a brindar com a vida, tão naturalmente como a própria morte.
Alguns curiosos indagavam: - Seria essa uma alma errante? Ou quem sabe uma pessoa de palavras maliciosas, cujos poderes divinos costuraram-lhe a boca? 
Ah, essa sim seria a prova de que  poderes divinos realmente existem, mas nada se soube.
O fato é que de nada adiantaram os disfarces, pois o que mais mudou, foi o que não mudou nada. Empalhada ou costurada, eis que a moça passou por nós sem uma pausa de reconhecimento. Olhar ignorante e indiferente, estranha, uma simples cópia em carne e osso da pessoa de outrora que nos amou, que amamos, e que há tantos anos já desfila como morta.
E com ela lá se foi toda a esperança de um milagre, que -  talvez -  esse carnaval pudesse significar.  
"O Dia do Juízo Final", quando ao som de todas as trombetas (ou de todas as marchinhas) nos levantaríamos.E ali reunidos, num só grupo, novamente mortais e tão iguais, abraçaríamos uns aos outros, num ato de solidariedade e perdão, cientes de que não haveriam mais inimigos e nem intrusos. 

Maria Lúcia de Almeida

2 comentários:

helentry disse...

Comovente o drama dessa moça, integrada à SOCIEDADE DE MORTOS VIVOS, dos que passam sem reconhecimento, sem jamais serem compreendidos em suas aspirações, que exibem fantasias delicadas no meio da multidão. Existe beleza mesmo na dor, na tragédia...tentativas de harmonizar o eu e o coletivo, eterno drama das aparências e das essências.
Bjs, linda
Elô

Maria Lúcia de Almeida disse...

Verdade, Elô. Eterno drama: aparência versus essência!
Obrigada por estar sempre aqui comigo. Beijo, amiga!