segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Fragmentos de um romance

Muito tempo se passou sem que Joana tivesse notícias dele. Só uma vez soube que se casara com uma rica moça da Bahia. Naquela semana, recebeu dele um e-mail contando o prematuro fim de seu casamento. Dizia também estar com muita saudade de Joana, que nunca a esquecera, e que agora vivia à moda de lobo solitário, sem amores, sem amigos, mas com uma enorme vontade de revê-la.
Da primeira vez que Joana leu o e-mail não entendeu. Até se assustou. Depois de muitas releituras compreendeu: estava para retornar à sua vida o seu mais importante caso sentimental. Quem sabe agora ele viria sedente de companhia e de amor, passando uma esponja sobre o passado, sem querer falar ou saber, sem querer ouvir, apenas viver uma vida nova. Para Joana a ilusão nasceu com a chegada daquele e-mail. Voltou a recitar poemas, a sonhar com todos os beijos e com o verdadeiro amor que ainda não provara.
Joana passou a não mais reclamar da vida, pois a vida para ela agora era só promessa.
Correu para o armário escuro e simples, e entre seus vestidos, que não eram muitos, começou a escolher aquele que a faria mais atraente. Nenhum passou pelo teste, não eram suficientemente bonitos para aquele reencontro. E fazendo então umas contas de cabeça, calculou que vendendo isso ou aquilo, daria para comprar um vestido novo. Afinal, tudo valia a pena para enfeitar um corpo e uma alma latentes de desejo.
Combinaram de se encontrar em uma livraria-café, às sete horas, no momento dos sonetos. Joana comprou um livro de poesias de Fernando Pessoa, escreveu nele uma tímida dedicatória e o guardou dentro da bolsa. Um presente que valeria como uma declaração de amor.
Finalmente o tal esperado encontro aconteceu. Ele chegou aparentando mais velho e cansado, abraçou Joana distraidamente, sem ao menos lhe reparar a primorosa produção, e depois de soltar um prolongado suspiro desabafou todo o seu desespero. Contou estar arrasado com o término do seu casamento, que ainda amava desesperadamente a ex-esposa e o pior, que ela o havia abandonado totalmente arruinado, ou seja, sem amor, sem esperanças e sem dinheiro.
Aquela inesperada e honesta confissão, feita como e por um amigo, martelava a cabeça de Joana, num impulso que era ao mesmo tempo de solidariedade e decepção. Vontade de abraçar e vontade de ajudar – como se fosse possível ajudar – apagando-se, deixando de discernir, impedindo que as próprias lágrimas acontecessem. Como consolar e dizer belas palavras a um homem que, feito um canibal, comera seu coração junto com todas suas ilusões de amor?
No entanto, cada coisa tem sua hora e cada hora o seu cuidado. Joana escutou, embora com muita dor, passivamente até o fim, as lamentações do novo amigo. Quando o táxi partiu e a cidade começou a correr dos dois lados do vidro, ela percebeu que pouca coisa mudara, ou quase nada mudara. Lembrou-se do livro de poesias de Fernando Pessoa que ficara em sua bolsa e citou: "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.



Maria Lúcia de Almeida

Nenhum comentário: