Muito tempo se passou sem que Joana tivesse notícias dele. Só uma vez soube que se casara com uma rica moça da Bahia. Naquela semana, recebeu dele um e-mail contando o prematuro fim de seu casamento. Dizia também estar com muita saudade de Joana, que nunca a esquecera, e que agora vivia à moda de lobo solitário, sem amores, sem amigos, mas com uma enorme vontade de revê-la.
Da primeira vez que Joana leu o e-mail não entendeu. Até se assustou. Depois de muitas releituras compreendeu: estava para retornar à sua vida o seu mais importante caso sentimental. Quem sabe agora ele viria sedente de companhia e de amor, passando uma esponja sobre o passado, sem querer falar ou saber, sem querer ouvir, apenas viver uma vida nova. Para Joana a ilusão nasceu com a chegada daquele e-mail. Voltou a recitar poemas, a sonhar com todos os beijos e com o verdadeiro amor que ainda não provara.
Joana passou a não mais reclamar da vida, pois a vida para ela agora era só promessa.
Correu para o armário escuro e simples, e entre seus vestidos, que não eram muitos, começou a escolher aquele que a faria mais atraente. Nenhum passou pelo teste, não eram suficientemente bonitos para aquele reencontro. E fazendo então umas contas de cabeça, calculou que vendendo isso ou aquilo, daria para comprar um vestido novo. Afinal, tudo valia a pena para enfeitar um corpo e uma alma latentes de desejo.
Combinaram de se encontrar em uma livraria-café, às sete horas, no momento dos sonetos. Joana comprou um livro de poesias de Fernando Pessoa, escreveu nele uma tímida dedicatória e o guardou dentro da bolsa. Um presente que valeria como uma declaração de amor.
Finalmente o tal esperado encontro aconteceu. Ele chegou aparentando mais velho e cansado, abraçou Joana distraidamente, sem ao menos lhe reparar a primorosa produção, e depois de soltar um prolongado suspiro desabafou todo o seu desespero. Contou estar arrasado com o término do seu casamento, que ainda amava desesperadamente a ex-esposa e o pior, que ela o havia abandonado totalmente arruinado, ou seja, sem amor, sem esperanças e sem dinheiro.
Aquela inesperada e honesta confissão, feita como e por um amigo, martelava a cabeça de Joana, num impulso que era ao mesmo tempo de solidariedade e decepção. Vontade de abraçar e vontade de ajudar – como se fosse possível ajudar – apagando-se, deixando de discernir, impedindo que as próprias lágrimas acontecessem. Como consolar e dizer belas palavras a um homem que, feito um canibal, comera seu coração junto com todas suas ilusões de amor?
No entanto, cada coisa tem sua hora e cada hora o seu cuidado. Joana escutou, embora com muita dor, passivamente até o fim, as lamentações do novo amigo. Quando o táxi partiu e a cidade começou a correr dos dois lados do vidro, ela percebeu que pouca coisa mudara, ou quase nada mudara. Lembrou-se do livro de poesias de Fernando Pessoa que ficara em sua bolsa e citou: "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
Maria Lúcia de Almeida
Da primeira vez que Joana leu o e-mail não entendeu. Até se assustou. Depois de muitas releituras compreendeu: estava para retornar à sua vida o seu mais importante caso sentimental. Quem sabe agora ele viria sedente de companhia e de amor, passando uma esponja sobre o passado, sem querer falar ou saber, sem querer ouvir, apenas viver uma vida nova. Para Joana a ilusão nasceu com a chegada daquele e-mail. Voltou a recitar poemas, a sonhar com todos os beijos e com o verdadeiro amor que ainda não provara.
Joana passou a não mais reclamar da vida, pois a vida para ela agora era só promessa.
Correu para o armário escuro e simples, e entre seus vestidos, que não eram muitos, começou a escolher aquele que a faria mais atraente. Nenhum passou pelo teste, não eram suficientemente bonitos para aquele reencontro. E fazendo então umas contas de cabeça, calculou que vendendo isso ou aquilo, daria para comprar um vestido novo. Afinal, tudo valia a pena para enfeitar um corpo e uma alma latentes de desejo.
Combinaram de se encontrar em uma livraria-café, às sete horas, no momento dos sonetos. Joana comprou um livro de poesias de Fernando Pessoa, escreveu nele uma tímida dedicatória e o guardou dentro da bolsa. Um presente que valeria como uma declaração de amor.
Finalmente o tal esperado encontro aconteceu. Ele chegou aparentando mais velho e cansado, abraçou Joana distraidamente, sem ao menos lhe reparar a primorosa produção, e depois de soltar um prolongado suspiro desabafou todo o seu desespero. Contou estar arrasado com o término do seu casamento, que ainda amava desesperadamente a ex-esposa e o pior, que ela o havia abandonado totalmente arruinado, ou seja, sem amor, sem esperanças e sem dinheiro.
Aquela inesperada e honesta confissão, feita como e por um amigo, martelava a cabeça de Joana, num impulso que era ao mesmo tempo de solidariedade e decepção. Vontade de abraçar e vontade de ajudar – como se fosse possível ajudar – apagando-se, deixando de discernir, impedindo que as próprias lágrimas acontecessem. Como consolar e dizer belas palavras a um homem que, feito um canibal, comera seu coração junto com todas suas ilusões de amor?
No entanto, cada coisa tem sua hora e cada hora o seu cuidado. Joana escutou, embora com muita dor, passivamente até o fim, as lamentações do novo amigo. Quando o táxi partiu e a cidade começou a correr dos dois lados do vidro, ela percebeu que pouca coisa mudara, ou quase nada mudara. Lembrou-se do livro de poesias de Fernando Pessoa que ficara em sua bolsa e citou: "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
Maria Lúcia de Almeida
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