Ninguém soube jamais se foi por saudade ou apenas solidão que fez com que ela voltasse àquela casa. O fato é que depois da separação, o inquieto coração começou a vacilar entre recordações de felicidade e tristeza. E foi pelos mandos do coração que, ao invés de seguir caminho reto, parou diante da casa vazia. Queria ver de perto como é que se portam as coisas sem os seus donos, ou quem sabe encontrar algum sinal das presenças que dali se foram. Seguindo o eco das vozes ressoando como dantes, iniciou sua trajetória pela porta dos fundos e chegou ao quintal. A goiabeira e o limoeiro ainda brilhavam na calmaria de um por do sol, mesmo sem os olhares que antes lhes davam vida. Os frutos que eventualmente caiam com alarde, naquele instante desprendiam-se com certa elegância numa solene despedida. Os pássaros, barulhentos ao se aninharem, fizeram silêncio para não incomodar especial momento de recordações. E ela, envolta na memória e nas lembranças que o tempo embalou, ainda podia ver e ouvir o cachorro latindo e fazendo festa.
Depois, feito sonâmbula, percorreu salas e quartos, selando os espaços, confundindo ausências e saudades. Buscando preencher lacunas, banalidades do cotidiano que fotografias não captam, algo que aparentemente não teve importância, mas que deixou rastros pelo ar. Um além do espelho onde a intimidade, feito dona da casa, instalou. Um restrito mundo de palavras ditas, de sonhos misturados, de sentimentos falsos e demais verdadeiros, de carências bem e mal resolvidas. Com inquietante indagação foi abrindo portas como quem descobre cenas, recuando o tempo, indo e voltando ao sabor de suas recordações. O coração aberto em ferida, parecia decidido morrer aos poucos com a ação de tantas lembranças.
No entanto, a casa que não é gente e nem sente emoção, continuou majestosa e clara, vazia e indiferente ao passado e aos conturbados fantasmas daquela mulher. Junto ao vento varreu para sempre palavras e sentimentos daqueles que partiram em revoada. Numa total irreverência, deu a ela a real dimensão de sua fragilidade, revelando, através de um fúnebre silêncio, que o caminho que um dia ela percorrera, ali mesmo, se esgotara. E que os ecos, imagens e lembranças não expressaram senão a ela mesma, dando vazão a seus sentimentos mais secretos de mágoa, tristeza e solidão.
Os homens com seus revezes passam e as coisas permanecem, foi essa a derradeira mensagem da casa, lembrando que da vida nada se leva. E pela porta da frente, finalmente, ela também passou, decidida a transformar todas as suas dores, prantos e saudades em motivos de canto e de poesia, pois o sabor da vida é encontrado na possibilidade de sua reinvenção.
E tudo o que era parede, muro e sigilo, tudo o que era branco e silencioso, para sempre também se calou.
Maria Lúcia de Almeida
Um comentário:
Minha querida, linda sua crônica! Crõnica que gostaria de ter escrito.Não uso as palavras para lhe ser agradável, não. As casas , as construções, me dizem muitas coisas.Parabéns! Poesia em prosa foi o que li.
Desculpe o atraso do comentário.
Beijos ,
Elô
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