‘Departures’ ou ‘A Partida’ – título em português – é um filme sensível e também muito interessante por se tratar da milenar cultura japonesa em lidar com a morte. A peculiar tradição de um país que ao entrar em choques existenciais contemporâneos, leva-nos a refletir sobre uma questão que, para nós ocidentais, é por demais esmagadora: o medo da morte.
Para a maioria das pessoas, esse é um assunto empurrado para o subconsciente e negado na vida cotidiana. No entanto, o filme, com muita sutileza, nos mostra uma outra face da morte que não somente a do apego, da dor e do desespero. Enquanto o personagem Kobayashi age como guardião entre a vida e a morte, aos poucos, vai compreendendo que mesmo em tempos obscuros de pranto e de dor, a beleza pode habitar. E nos momentos que antecedem ‘a partida’, trabalha para que ninguém pense em preto, ninguém pense em luto, ninguém veja o morto como diferente, estranho ou intruso.
O morto é apenas o vivo que conclui o trabalho de viver e, com toda dignidade, é primorosamente preparado para sua nova jornada.
Uma nova jornada: é esse o sutil toque de ‘A Partida’. Assim como os filhos seguem seus caminhos quando crescem, os primeiros professores, os grandes amores e até os amigos quando escolhem rumos diferentes. O nosso grande mal é traçar essa barreira de pavor entre mortos e vivos, como se a separação efetiva houvesse realmente entre vida e morte.
A vida emana da vida, o botão se transforma em flor, a criança se torna adulto...a vida não é outra coisa senão a preparação para as partidas.
E no final ficamos menos tristes, menos confusos e menos vulneráveis ao sentirmos que nada precisa morrer no instante da morte. É apenas o deixar fluir da natureza, certos de que em meio às cinzas está a semente do novo que quer nascer.
Maria Lucia de Almeida