sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Divino espetáculo


Por que será que precisamos de tantos significados, explicações, rótulos, conclusões e detalhamentos?
Qual a grande necessidade de estarmos sempre nos explicando, batizando todas as coisas, concluindo se é assim ou assado. Criando atalhos e justificativas, buscando lógica e razão, queremos segurar o mundo através de nossas cabeças, acumulando informações e conceitos.
Entender, em certo sentido, é também fragmentar, dividir, analisar. Em nossa ansiedade por entendimento acabamos por reduzir a vida à dimensões já conhecidas, para em seguida cairmos no tédio e no desinteresse. Quando crianças, o mundo é sempre mágico e somos a pura expressividade. À medida que amadurecemos e aprendemos que a vida é assunto muito sério, esquecemos de brincar, de sentir e de apenas emocionarmos.
Tudo isso me ocorre a propósito de uma viagem de férias que fiz a um lugar paradisíaco chamado Dunas de Itaúnas. Um pequeno vilarejo que fica ao norte do Espírito Santo e que nos anos 50, devido ao lençol arenoso soprado pelos ventos nordeste, foi totalmente soterrado. A vila, como que brotando das cinzas, renasceu nos anos 70 ao lado do rio Itaúnas. Do outro lado, próximo ao mar de um azul profundo, edificaram-se maravilhosas dunas de até 30 m de altura de areia dourada e finíssima onde o sol celebra sua existência derramando lindos raios.
Do alto das dunas é possível ver a praia de um lado e o rio de outro, e o lugar atrai turistas de todos os cantos do mundo que, ao chegarem em Itaúnas, ficam fascinados pela manifestação do sol na hora do crepúsculo. Nessa hora, por alguns minutos, o céu é encoberto por raios e luzes multicoloridas formando um gigantesco arco-íris. E a vila, como que refletindo as cores do céu, nos dá a impressão do mais belo paraíso já retratado  numa tela de Monet.
Foi durante esse belíssimo espetáculo, raro momento em que me permiti ir além dos limites do conhecido em busca dos mistérios do Sagrado e com a alma embriagada por tanta beleza, acreditando que nada existe que não tenha forma antes inventada pela natureza, que escuto, por acaso, a expressão de um pequeno coadjuvante da mãe-natureza. Uma criança no colo de sua mãe que, naquele momento, tornou-se  símbolo do reencontro com a minha própria emoção ao exclamar:
- Que lindo, mamãe! Quem pintou?

Maria Lucia de Almeida

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Numa só janela

Se tudo acontece
Numa só janela
Abra a cortina
Deixa o sol entrar.
Mas se faz
Vento com chuva
Não feche a janela
Nem se tranque.
Que o cheiro da chuva
Traga lembranças
Que o vento
Sopre esperanças
Que bem nos disse Cecília:
O bom da vida
É o reinventar.

Maria Lucia de Almeida

sábado, 15 de agosto de 2009

Procura-se


Sabe quem é você?
Nem eu!
Foi desaparecendo aos poucos
Pelos caminhos por onde andou
Um pedaço aqui, outro acolá...
Até que tudo acabou.
Foi viajando pelo mundo,
Descendo através de um túnel
E sozinha outra parte ficou...
Sem rumo.
E o que restou?
Nada ou quase nada
Nem o fundo do poço encontrou.

Maria Lucia de Almeida

Minha lembrança


Mesmo com tantas chuvas e trovoadas
Mesmo com tantos choros de pesar
Varei o negro véu das madrugadas
Andei pelos encantos de te amar!

Maria Lucia de Almeida
(Aquarela de Haroldo Nazareth)

domingo, 9 de agosto de 2009

Olhos de Gude



Tardes de céu muito azul, são os dias de inverno da minha cidade. E durante uma dessas tardes, em um café na livraria da Travessa, foi que me apareceu, de súbito, por um instante quase surreal, aquela criaturinha:
- Compra bala na minha mão, moça!
O que mais me emocionou naquele instante, não foi somente o fato de mais uma menina de rua estar ali, circulando entre os clientes, vendendo balas baratas para sobreviver. Foi, principalmente, a beleza angelical de no máximo sete anos de idade, corpinho moreno e franzino, cabelos cacheados e olhos bem escuros, redondinhos, que mais pareciam duas bolinhas de gude. E se não fosse pelos humildes trajes, eu diria que ali, bem na minha frente, estava uma das mais belas meninas retratada pelo artista Renoir.
 Refreando o instinto maternal que ditava a minha enorme vontade de puxá-la para o meu colo e lhe fazer muito carinho, o que fiz, naquele momento, foi uma malfadada pergunta:
- Por onde anda a sua mãe, menina?
O que estava por trás da minha pergunta não era tão somente a vontade de saber por onde andava a mãe biológica, a madrasta talvez, que jogava no desamparo sua prenda mais linda, uma miniatura de anjo de pés descalços e mãozinhas em flor, a mendigar por uns trocados. E sem pensar em razões ideológicas, eu me perguntava também pela mãe pátria e por seus filhos; os filhos da rua, os filhos do medo, filhos da fome e do sofrimento. Milhares de crianças que estão por todos os lugares, debaixo de marquises e pontes, dependurados em ônibus, a dizer mentiras, pois são mentiras o que a mãe-pátria lhes ensina mesmo antes de compreenderem o que é o bem ou o mal. O único calor que conhecem é o que vem do asfalto. Acolhe-os as marquises dos grandes edifícios, num grande e frio abraço de concreto. Meninos de rua que não têm vida de criança, pois são precoces soldados que roubam para a guerra da sobrevivência.
Mas de que adianta praguejar contra uma  realidade, que admitindo ou não, sou prescrita seguidora? Fico no meu canto encolhida, impotente, no peito a raiva e o desgosto, outra vez o desespero e o desanimo, pois nada pude fazer pela menina dos olhos de gude que, ao se ver indagada de sua mãe, fugiu feito um foguete, desaparecendo na próxima esquina.

Maria Lucia de Almeida

sábado, 1 de agosto de 2009

Fugacidade

Os anos passam, vai-se um, enfim centenas,
Ficam somente marcas dos homens
Em páginas, em muros, em becos escuros
E representam somente palavras.

Tolas palavras são jogadas pelos ares,
E assim se perdem, pois jogadas são perdidas,
Tolas lembranças são por nós bem esquecidas
Porque palavras não se prendem aos olhares.

Marcas são poemas, alegres ou aflitos
Que ficam nos papéis, eternos manuscritos,
Feitos por todos que partiram desse mundo.

Os homens morrem, os poemas vão em frente,
Seguindo pelos caminhos, indiferentes...
Mostrando quão fugaz é a nossa vaidade.

Maria Lucia de Almeida