Tardes de céu muito azul, são os dias de inverno da minha
cidade. E durante uma dessas tardes, em um café na livraria da
Travessa, foi que me apareceu, de súbito, por um
instante quase surreal, aquela criaturinha:
- Compra bala na minha mão, moça!
O que mais me emocionou naquele instante, não foi somente o fato de mais uma menina
de rua estar ali, circulando entre os clientes, vendendo balas baratas para
sobreviver. Foi, principalmente, a beleza angelical de no máximo sete anos de idade, corpinho moreno e franzino, cabelos cacheados e olhos bem escuros, redondinhos,
que mais pareciam duas bolinhas de gude. E se não fosse pelos humildes trajes, eu
diria que ali, bem na minha frente, estava uma das mais belas meninas retratada pelo artista Renoir.
Refreando o instinto
maternal que ditava a minha enorme vontade de puxá-la para o meu colo e lhe fazer
muito carinho, o que fiz, naquele momento, foi uma malfadada pergunta:
- Por onde anda a sua mãe, menina?
O que estava por trás da minha pergunta não era tão somente
a vontade de saber por onde andava a mãe biológica, a madrasta talvez, que
jogava no desamparo sua prenda mais linda, uma miniatura de anjo de pés
descalços e mãozinhas em flor, a mendigar por uns trocados. E sem pensar em razões
ideológicas, eu me perguntava também pela mãe pátria e por seus filhos; os filhos
da rua, os filhos do medo, filhos da fome e do sofrimento. Milhares de crianças que estão
por todos os lugares, debaixo de marquises e pontes, dependurados em ônibus, a
dizer mentiras, pois são mentiras o que a mãe-pátria lhes ensina mesmo antes de
compreenderem o que é o bem ou o mal. O único calor que conhecem é o que vem do asfalto.
Acolhe-os as marquises dos grandes edifícios, num grande e frio abraço de concreto.
Meninos de rua que não têm vida de criança, pois são precoces soldados que
roubam para a guerra da sobrevivência.
Mas de que adianta praguejar contra uma realidade, que admitindo ou não, sou prescrita
seguidora? Fico no meu canto encolhida, impotente, no peito a raiva e o desgosto, outra
vez o desespero e o desanimo, pois nada pude fazer pela menina dos olhos de gude que, ao se ver indagada de sua mãe, fugiu feito um foguete, desaparecendo na próxima esquina.
Maria Lucia de Almeida
Um comentário:
Tocante! Como isto tem sido banalizado pela sociedade!
Parabéns, amiga, pélo estili delicado de tratar o assunto
Postar um comentário