domingo, 27 de julho de 2025

O tempo e o Vento

 " O vento que leva o que amamos é o mesmo vento que traz coisas que aprendemos a amar."


O Tempo e o Vento

Há dias em que o vento sopra como quem sussurra memórias. Ele vem leve, quase tímido, brincando com as cortinas, espalhando folhas na calçada, como se quisesse nos lembrar que tudo passa, até o instante mais eterno. 
O vento é, talvez, o mensageiro mais fiel do tempo. Não o tempo do relógio, com seus ponteiros apressados, mas o outro, aquele que sentimos na pele, nos olhos, no silêncio que cresce nas pausas entre as palavras. 
Hoje, por exemplo, o vento passou por mim com cheiro de infância. Trouxe o som de risadas correndo soltas no quintal da casa, o gosto do doce de leite ainda quente, o grito da mãe chamando pra dentro quando o céu começava a escurecer. E, por um instante, eu voltei sem sair do lugar. 
É isso que o tempo faz quando caminha de mãos dadas com o vento: dobra as esquinas da memória e nos convida a sentar no banco das lembranças. Mas o vento também carrega o tempo que ainda não chegou. Sopra no rosto como promessa. Leva embora o que pesa, espalha o que já não serve, como quem varre a alma. E há beleza nisso, nessa faxina invisível que ele faz. 
O tempo e o vento são irmãos antigos. Um molda, o outro move. O tempo constrói histórias e o vento as espalha. Juntos, eles nos fazem entender que a vida não é feita para ser controlada, mas sentida, assim como a brisa que passa e nos arrepia sem sabermos exatamente por quê. E quando nos damos conta, já estamos vivendo outro momento. Outro sopro. Outro tempo.

Maria Lucia de Almeida

quinta-feira, 24 de julho de 2025

O Tempo das Margaridas



Chega um momento na vida em que o tempo desacelera. Não porque os dias se tornem menos intensos, mas porque a gente aprende a vivê-los de outro jeito ,como quem caminha descalço num campo de margaridas, sem pressa, só por prazer. Os últimos anos da vida não são um fim, são um lugar. Um lugar de pouso. Um banco sob a sombra de uma árvore antiga, onde finalmente se pode ver tudo com mais clareza: os erros já não doem tanto, os acertos brilham mais. E o que não se viveu, ah… vira vento, vira história que se conta rindo, com um certo ar de travessura.  É estranho como o tempo, que tanto nos apressou, agora parece pedir licença. Ele bate de leve à porta: “Posso entrar, com calma" . E a gente deixa; com xícara de chá, com silêncio, com olhos que demoram mais nas coisas simples:  o voo de um passarinho, o cheiro do café, a lembrança de um nome esquecido e reencontrado no coração. Não há mais o que provar. Só o que partilhar. E é nesse tempo que o amor, mesmo quando quieto, grita mais alto. Porque ele fica nas mãos dadas, nas fotos amareladas, nas cartas guardadas em caixas. Ele fica no jeito de cuidar; mesmo que agora quem cuida seja o outro. Viver os últimos anos é, talvez, viver de verdade. Como quem sabe que o espetáculo já foi lindo e agora só assiste, sorrindo, aos aplausos da alma.

Maria Lucia de Almeida

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Os últimos anos


Há uma delicadeza serena em viver os últimos anos. Como o entardecer que se estende dourado, a vida se torna mais silêncio do que pressa, mais presença do que planos.

Cada manhã é um presente embrulhado em luz,cada lembrança, um jardim secreto onde se pode repousar.

Já não é preciso correr, nem provar, nem vencer.  Agora é tempo de sentir:  o vento, a chuva, o riso, o afeto.

Viver os últimos anos é arte sutil: é saber despedir-se devagar, com gratidão nos olhos e o coração aberto feito céu de outono.

Porque mesmo no fim, há começo: no gesto simples, no olhar sereno, no amor que permanece.

Maria Lucia de Almeida.