Depois de uma longa subida, a mulher dá sinais de fadiga. Faz uma pausa para um momento de contemplação, e pondera, calmamente, a sua escolha dentre as muitas direções.
Sob uma lua cheia, numa paisagem ao mesmo tempo clara e escura, o que existe é apenas uma mulher com medo. Estranhamente, ela se lembra das histórias infantis, de uma bruxa má que prega peças cruéis em quem se perde na noite. Do outro lado de um fosso de águas túrgidas, talvez habitado por coisas que metem medo, vê os torrões de um castelo. Mas a ponte está elevada, os portões estão fechados, e parece que ninguém escuta seus lamentos.
- Será que a magia da bruxa má barrou o caminho de volta pra casa?
Questiona a mulher. A lua surge por detrás das nuvens, ainda mais clara e, de repente, parece mais quente e insinuante. No pálido rosto da mulher escorrem lágrimas, enquanto o chão parece crescer, ultrapassar o fosso e a muralha que cerca o castelo. Foi feito o contato.
Uma estrela de esperança e assombro brilha no céu. Uma sensação de milagre anuncia que novamente os sonhos podem se realizar. A mulher vê agora, claramente, o caminho de volta para casa. Agradece a lua, segue em direção.
Os passos já não pertencem ao chão, mas a uma música antiga que vibra no corpo como memória esquecida. O vento não sopra, sussurra. E cada sussurro traz um nome, um gesto, um instante que ela reconhece como seu. Ao longe surgem contornos familiares: o portão de madeira, a árvore que sempre se inclina para ouvir segredos, o riacho onde a infância lhe devolveu risos e sonhos. Quando cruza a soleira, não é apenas a casa que a acolhe, mas o tempo, que se abre como um livro amado, devolvendo-lhe páginas que julgava perdidas.
E de repente, a paisagem dissolve-se como tinta na água, até restar apenas um vasto céu de prata onde a lua não é astro, mas espelho. Ao olhar, ela não vê um rosto cansado, mas a criança que corria livre entre estrelas inventadas. O fosso, o castelo, a bruxa, tudo retorna ao pó dos sonhos. O que permanece é um horizonte aberto e a certeza de que não há caminho a seguir, pois ela está desde de sempre em casa.
A lua sorri, mas o sorriso é dela. E assim, com o coração palpitando no compasso da eternidade, a mulher compreende: não foi a lua que mostrou o caminho, mas a fé silenciosa que, mesmo nas noites escuras, nunca deixou de brilhar dentro dela. Lá fora, a lua brilha como testemunha. Aqui dentro, outra luz desperta, e ela entende, enfim, que voltar para casa foi, o tempo todo, voltar para si mesma.
Ela respira, a casa é aqui, a casa é ela.
Maria Lucia de Almeida