Tanto tempo se passou e ainda hoje trago gravada na memória a imagem daquele vestido mágico. Nossa! Era um vestido por demais estranho, o tal "vestido-balão". Por toda a sua volta, por toda extensão de sua bainha, passava um arame costurado que fazia com que sua saia ficasse toda armada, e quando a gente o vestia, ficava mais parecendo uma sombrinha florida.
Eu não tinha mais do que nove anos quando ganhei o meu vestido. Não todo florido, como o de minhas amigas, mas enfeitado de pequenas bailarinas por toda extensão de sua "saia-balão".
Lembro-me daquela ensolarada tarde de novembro (aah, doces tardes de minha infância), quando fomos convidados para o aniversário da Soninha, filha de dona Jacira. Lá fui eu, vaidosa que só vendo, toda charmosa, sentindo-me a primeira bailarina das bailarinas de meu vestido.
Maior alvoroço com a meninada da rua reunida para o aniversário. Fui chegando e logo me enturmando na brincadeira: "...essa quero , essa não quero, essa come o pão da cesta..."
Surpresas do coração, o garoto mais bonito da festa apontava-me o dedo "...e esta é a minha escolhida, esta é a minha namorada..."
Instante mágico, sons de piano - pianíssimo - com bailarinas dançando a toques de cisne em minha alma. A patinha, que já não se sentia a mais feia, havia sido, finalmente, a escolhida.
E durante toda a festa, meu pequeno príncipe e eu, desfilávamos de mãos dadas, mãos que não se desgrudavam um só minuto, nem mesmo para "passar o anel".
Mas, acabaram-se os doces, acabou-se a festa e acabou-se o que era doce.
Outros aniversários aconteceram e em todos eles, na expectativa do melhor da festa, na hora de me enfeitar e de esperar por ela, era sempre a mesma aflição, o mesmo desespero, o mesmo choro mansinho que acompanhava a pergunta que ficou eternizada:
- "Mãe, cadê o meu vestido de bailarinas?"
Minha nossa Senhora, Maria concebida sem pecado que nos acuda, porque o vestido havia desaparecido!
O que aconteceu com o vestido jamais fiquei sabendo...
O que eu sei é que pela vida afora, sempre na expectativa de uma festa, de um primeiro encontro, sempre que a alma se inunda de esperança em ter a oportunidade de encontrar o verdadeiro amor - o amor pra toda a vida - na ânsia de tentar dominar todos os temores, em meio às incertezas, na insegurança de me encontrar frente a frente com ele - e de, talvez, não ser a escolhida - ameaço soltar o grito que continua preso em minha garganta:
- "Mãaeee, cadê o meu vestido?".
"Nesta rua, nesta rua tem um bosque, que se chama que se chama solidão, dentro dele dentro dele mora um anjo, que roubou que roubou meu coração."
Maria Lúcia de Almeida
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