Mas isso não é assim tão tranquilo para eles: quando está por expirar seu prazo de existência, rebelam-se. Replicam. No começo do filme, eles acabam de voltar à Terra justamente para subverter esse seu destino. Querem desertar sua condição de desalmados: já pressentem essas faixas de frequência para as quais o homem, seu criador, negou-se deliberadamente a equipá-los. Atacam a empresa de seu criador: querem viver. Mas a vida já não pode ser para eles - seu destino é fatal. Sua revolta só vingará se contaminar os homens.
Ficamos na esperança - talvez ingênua - de que os replicantes inventarão outra espécie de amor. Ficamos sonhando com a possibilidade de... uma outra cena? um outro mito? Um amor não tão demasiadamente humano. Montagens desintoxicadas do vício de redução do desejo de mundo a um objeto-pessoa ou uma pessoa-objeto. Ficamos imaginando um além do homem (humano e/ou desumano), onde campos de intimidade se instaurem. Uma certa inocência... Um além do espelho, onde o outro não seja mais aquilo que delineia nosso contorno. Uma nova viagem, uma viagem solitária: uma solidão povoada pelos encontros com o irredutivelmente outro.
Mas como seria essa viagem? Quase replicantes que somos, já sabemos também de que é feito esse empenho. Faz muito tempo que fomos contaminados pelo segrego de Roy, replicante chefe.
O empenho é pelo amor. O empenho é feito de amor. Mas, por enquanto, pouco ou nada sabemos acerca dessa espécie de amor. Afinal, esse é apenas o primeiro encontro entre um homem-quase replicante e uma replicante-quase humana."
Suely Rolnik
Suely Rolnik
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