sábado, 14 de julho de 2007

Sétima Arte




Sozinha e minhas reminiscências, depois de rever o filme "O Céu que nos partege", permito que a lembrança de nós dois invada toda a sala.
Ainda extasiada pelo aprimoramento e beleza das imagens de Bertolucci, neste meu particular momento, só mesmo você, meu amigo, poderia aparecer por aqui. Foram tantas vezes, e olha que me pareciam ilimitadas, em que nos encontramos no boteco da esquina com a cabeça impregnada de fantasias cinematográficas, e doidinhos para trocarmos nossas idéias. Lugarzinho agradável, de meia luz aconchegante, cheirinho de murta exalando das jardineiras, e um rapaz de afinação duvidosa que tocava MPB no vilão. A música, a gente mal ouvia, servia apenas de fundo musical para nossas animadas conversas. Não íamos ao boteco para namorar, e sim para degustar uma cervejinha e as nossas diversas opiniões sobre os filmes que havíamos assistido durante a semana. Tão animadas eram nossas falas, lembra-se? Requintadas de detalhes e recheadas pelos nossos diversos estados de alma. Penso que se os diretores dos filmes estivessem presentes a esses nossos encontros, com certeza, teriam incrementado algumas cenas aproveitando o colorido ou o preto e branco de nossas impressões. Até escolhemos o boteco da esquina propositalmente,pois nele, os banheiros masculino e feminino tinham, respectivamente, os nomes de Humphrey Boughart e Ingrid Bergman. E não é que um botequim pintado de um "rosa sujo" estava para a gente como a própria Casablanca? Pois preste atenção, meu querido amigo, que hoje, ao rever " O Céu que nos protege", a força das imagens desse impressionante filme, pareceu-me remeter a mim e a você ao próprio continente africano em toda sua realidade. São cenas de calor, imundice, pobreza, doenças e a vertigem do delírio de estados alterados da mente invadindo a realidade. Moscas que cobrem todas as superfícies, inclusive as humanas. Há também muita beleza nas fotografias do deserto, refletindo com sutileza e ao mesmo tempo profundidade o deserto interior de dois amantes. É uma história de amor, de dor, de morte e de loucura. Gostaria que você visse o filme, principalmente depois de ler um pequeno trecho que extraí do livro de Paul Bowles ( do qual o filme foi baseado) e que não me canso de reler, pois considero de extrema beleza:" A morte está sempre em nosso caminho, mas o fato de não sabermos quando vai chegar nos salva da finitude da vida, esta terrível precisão que tanto odiamos. Por causa da nossa ignorância, nós pensamos na vida como um poço sem fundo. E no entanto, cada coisa só acontece um certo número de vezes, muito poucas, na realidade. Quantas vezes você se lembrará de uma certa tarde em sua infância, uma tarde que é parte tão profunda de seu ser que você não pode conceber sua vida sem ela? Talvez quatro ou cinco vezes. Ou talvez nunca. Quantas vezes mais vai olhar o nascer da lua? Talvez vinte vezes...e tudo parece ilimitado."
Quantas vezes mais , meu inesquecível amigo, vou me lembrar de umas certas e deliciosas tardes em nosso boteco da esquina?


Maria Lúcia de Almeida

Um comentário:

Anônimo disse...

amei a mensagem ela determina paz